OPINIÃO
Regularizar para Preservar: a agenda territorial que a crise climática verdadeiramente exige
Retórica internacional das conferências do clima precisa se traduzir em políticas territoriais robustas
A COP 30 ocorreu no Brasil entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025 | Foto: Tânia Rego ABr
A retórica internacional das conferências do clima precisa se traduzir em políticas territoriais robustas. No Brasil, isso passa por uma regularização fundiária que não apenas reconheça a posse, mas que, através da titulação das propriedades rurais, se permita exigir conformidade ambiental. Sem isso, metas climáticas e compromissos da COP30 correm o risco de permanecerem no papel.
A regularização fundiária é frequentemente tratada como assunto técnico e burocrático. Mas ela é peça central da governança ambiental: onde há insegurança de propriedade, proliferam grilagem, desmatamento e conflitos. A titulação responsável cria condições para que políticas públicas — do licenciamento ambiental a mecanismos de mercado climático — sejam aplicadas com eficácia.
O ordenamento jurídico oferece instrumentos para enfrentar o problema. O art. 51 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias já previa a necessidade de revisão de grandes transferências de terra realizadas entre 1962 e 1987 na Amazônia Legal; a Lei nº 11.952/2009 (a chamada Lei Mangabeira Unger) instituiu um marco para titulação de terras no norte do país; e a Lei nº 13.465/2017 ampliou e modernizou procedimentos a serem aplicados em todo o território nacional. Esses diplomas mostram que o Direito reconhece a dimensão estrutural do problema.
Os dados do Conselho Nacional de Justiça são alarmantes. Após a chamada “CPI da Grilagem”, cancelou-se títulos que abrangem uma área equivalente a 73% do estado do Pará (91,12 milhões de hectares). Os municípios de São Félix do Xingu e Altamira concentram juntos 50% da área atingida pelos cancelamentos (45,6 milhões de hectares). Essas áreas existiam apenas no papel, já que se tratava de documentos de terra falsos registrados em cartório sem qualquer vinculação com uma área real.
Titular imóveis significa obrigar e fiscalizar os novos proprietários no cumprimento de obrigações como inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), recomposição das Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente ou a apresentação de planos de recuperação ambiental e uso sustentável do solo.
Títulos claros facilitam a atuação estatal: permitem responsabilizar titulares, condicionar acesso a crédito rural, programas de assistência técnica e benefícios fiscais, e tornar possíveis instrumentos de pagamento por serviços ambientais (PES), além de outros mecanismos de mercado de carbono. Sem titularidade regular e fiscalizada, esses mecanismos ficam expostos a fraudes e à “lavagem” de áreas desmatadas.
Isso não é discurso ambientalista. Os próprios produtores rurais querem avançar, já que poderão competir em igualdade de condições com os contumazes fraudadores da legislação ambiental.
A COP30 coloca o mundo diante da urgência climática. Para o Brasil, cumprir compromissos internacionais exige traduzir metas em efetiva aplicação dos instrumentos de regularização fundiária vigentes. Esses instrumentos aliados à quitação ambiental transformam a luta contra o desmatamento em política pública tangível — e não em mera retórica diplomática.