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OPINIÃO

Onde o Estado não existe, nasce a violência

Entenda por que a regularização fundiária é parte essencial da resposta

Mauro Zica Neto
Goiânia | 03/11/2025

Corpos foram enfileirados em via pública após megaoperação no Rio de Janeiro | Foto: Édson Gomes/Tv Brasil

A recente operação realizada no Complexo do Alemão,considerada uma das mais letais já realizadas no Estado do Rio de Janeiro, revela um problema estrutural: a persistente ausência do Estado em vastos territórios urbanos. A regularização fundiária não é apenas política habitacional ou medida econômica — é um direito público e instrumento necessário para reintegrar esses espaços à cidadania e à governança democrática.

A violência que marcou o Alemão decorre, em grande parte, de um vácuo institucional. Onde não há registro, endereço formal, infraestrutura e planejamento, o poder público não se faz presente; e onde o Estado não se faz presente, surgem formas paralelas de poder, com sérias consequências para a segurança e a dignidade das pessoas.

O caso do chamado “cartório informal do Castelo das Pedras” – outra favela do Rio, que funcionava como mecanismo de “registro” nas margens da legalidade, é sintomático: comunidades criaram soluções informais para suprir a ausência estatal — soluções que não substituem direitos, mas cristalizam insegurança jurídica e ausência de políticas públicas.

Tratar a regularização como um tema técnico ou secundário é erro estratégico. A regularização fundiária é direito público porque efetiva princípios constitucionais — a função social da propriedade, a dignidade da pessoa humana e o acesso à cidade — e materializa a responsabilidade do Estado de garantir direitos coletivos e individuais. Titular moradores, emitir registros válidos, assegurar infraestrutura e integrar áreas ao planejamento urbano é transformar territórios de “não-Estado” em espaços de responsabilidade pública, com políticas de saúde, educação, saneamento e segurança articuladas.

Os instrumentos existem: o Estatuto das Cidades e a Lei nº 13.465/2017 (lei do REURB) modernizaram procedimentos para facilitar titulação coletiva, usucapião urbano e outras medidas administrativas de regularização. Mas leis não se implementam sozinhas. É preciso políticas públicas coordenadas, orçamento contínuo, capacidade técnica municipal e diálogo genuíno com as comunidades para evitar dois riscos reais: a inércia que perpetua a ausência estatal e o preconceito dos entes públicos e seus agentes com a regularização fundiária.

Portanto, enfrentar o problema histórico do uso do território exige um reconhecimento: a sociedade ocupou e transformou a cidade ao longo de décadas; o Estado precisa responder com instrumentos que revertam a condição de invisibilidade. Regularizar é, antes de tudo, devolver cidadania: é dar nome às ruas, titularidade às famílias, responsabilidade ao poder público e proteção jurídica contra arbitrariedades.

Assim, A regularização fundiária deve ser tratada como prioridade de política pública integrada — combinando titulação coletiva, obras de infraestrutura, mecanismos de proteção social e desmistificação do tema, aplicando-se a lei. Só assim será possível transformar bolsões de ilegalidade em espaços de pleno exercício da cidadania e reduzir, a médio e longo prazo, as condições que alimentam a violência extrema.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a posição ou linha editorial de O Segmento

 



Tag: Estado
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