
ARTIGO
Algumas palavras sobre a avenida Castelo Branco
Tentaram mudar o nome de “Avenida Castelo Branco” para “Avenida Íris Rezende”

Algumas palavras sobre a avenida Castelo Branco | Foto: Reprodução
Faz já alguns anos que a avenida Castelo Branco, que liga as regiões Oeste e Sul da cidade, faz parte do meu cotidiano. Vi, pelas lentes do parabrisa do carro, as mudanças dramáticas, algumas boas, outras ruins, que esta avenida, referência no comércio agropecuário (daí ser chamada de agrovia), passou. E trago para debate a última polêmica que a envolve.
Antes, cabe dizer que me lembro muito bem de quando, lá em 2022, tentaram mudar o nome de “Avenida Castelo Branco” para “Avenida Íris Rezende”. As discussões na Câmara foram acaloradas. Por um lado, existiam vereadores que gostariam tão somente, com intenções muito boas, de valorizar e homenagear este que foi um importantíssimo político goiano, muito querido por nós, e com projeções nacionais. Íris tinha partido no finalzinho do ano anterior, em novembro de 2021, e a cidade ainda procurava alguma forma de se despedir com o prestígio que ele merecia.
Por outro lado, alguns vereadores progressistas viram, na mudança de nome, a oportunidade de se manifestar politicamente. Estes entendiam o nome “Castelo Branco” da avenida como uma espécie de celebração da ditadura militar. Não podemos nos esquecer que estávamos em meio à uma eleição nacional muito importante, que acirrava o debate entre setores mais conservadores e outros mais progressistas da sociedade.
Em meio a tudo isso, os empresários da avenida, através do sindicado que os representava, reagiram fortemente. Alegavam que a mudança poderia prejudicar muito suas atividades, tendo que alterar endereços e cadastros comerciais; trocar todo material de uso comercial, como cartões, sacolas, material de mídia e divulgação, dentre outros problemas. Mas, também, demonstrando organicidade, agiram politicamente. Não faltaram placas nas portas da maioria das lojas se manifestando contra a mudança, e com frases do tipo “sempre seremos Agrovia Castelo Branco” que se misturavam com placas de apoio político à direita.
Nessa época, ninguém pediu minha opinião, mas fiquei mais a favor dos empresários, do que contra. Não por defender o bolsonarismo, ou mesmo o agronegócio, ou, em última instância, a direita. Nada disso. Mas porque entendi duas coisas: em primeiro lugar, que se queremos homenagear alguém, ainda mais com a importância histórica que Íris Rezende tem para a cidade, temos que construir algo novo, que vincule a sua imagem à do homenageado.
Se o projeto de lei não tivesse sido suspenso pela justiça, e a mudança de nome tivesse vingado, penso que, no boca a boca, nas conversas populares de quem pede um endereço ou localização, o nome “Avenida Castelo Branco” ainda iria prevalecer. “Onde fica tal coisa?”, alguém poderia perguntar. Responderiam: “Na Íris Rezende, antiga Castelo Branco…”.
Em segundo lugar, o nome do vigésimo sexto presidente do Brasil, militar da ditadura, em uma avenida, não precisa ser entendido exclusivamente pela via da celebração, mas também pela via da memória. Lembrar não é só celebrar ou comemorar, mas também não se esquecer. Das feridas da História, dos problemas do passado. Se apagamos o nome Castelo Branco, ou se destruímos a estátua do Anhanguera, ou de um Borba Gato da vida, estaremos furtando a possibilidade das próximas gerações de enxergar nestes ícones as suas contradições.
Agora, o que eu achei mesmo curioso é que, pouco tempo depois, justamente na “Agrovia” Castelo Branco, o então prefeito mandou tirar todas as árvores e concretar tudo, e os comerciantes ficaram em silêncio. A justificativa da gestão era a de que as raízes estavam estragando o asfalto da pista, prejudicando o trânsito. Ok, não vamos nem entrar na discussão de uma arquitetura moderna e sustentável, que busca soluções para esses problemas adaptando a ação antrópica à natureza, e não o contrário. Mas nem um pio, gente?
Mais recentemente, a ironia fica ainda pior. Na “Agrovia” Castelo Branco, mandaram tirar as gramas dos canteiros e ilhas centrais da pista e substituir por… plástico. Grama sintética. Na “Agrovia”? Sério? Mais uma vez, os comerciantes nem ligaram. Talvez porque o plástico seja, afinal, o novo verde. Um verde que o “agro” da “Agrovia” não tenha se preocupado em preservar. Não dá sombra, não abriga passarinho, mas, pelo menos, não faz sujeira.
No fundo, a “Agrovia” Castelo Branco parece ser um resumo de como lidamos com memória e modernidade: discutimos apaixonadamente sobre símbolos e nomes, mas aceitamos de boca fechada o concreto, o calor, o plástico e a ausência de árvores. Para trocar uma placa, uma guerra cultural; para trocar a grama e as árvores por plástico, silêncio absoluto. Quem sabe, no futuro, o nome nem importe tanto. Seja Castelo Branco, Íris Rezende, ou qualquer outra coisa, o que realmente ficará, talvez, seja esse espírito da avenida. Um espírito quente, abafado e cinza de comércio, concreto e conveniência política.
