ARTIGO
A inteligência artificial e a urgência de uma Lei Geral de Proteção de Dados Penal no Brasil
IA já deixou de ser apenas uma tendência para se consolidar como ferramenta diária no Judiciário
No campo jurídico, a consolidação da Inteligência Artificial (IA) representa uma das maiores revoluções dos últimos tempos | Foto: Freepik
A aceleração tecnológica dos últimos anos transformou profundamente a maneira como lidamos com informações, tomamos decisões e produzimos conhecimento. No campo jurídico, a consolidação da Inteligência Artificial (IA) representa uma das maiores revoluções dos últimos tempos: automação de tarefas, análise de dados em larga escala, predições jurídicas e eficiência procedimental.
Mas, ao mesmo tempo, surgem novos riscos e responsabilidades especialmente quando falamos de dados sensíveis e do sistema penal, onde qualquer abuso tecnológico pode afetar diretamente direitos fundamentais.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) inaugurou no Brasil um marco civilizatório ao disciplinar o tratamento de dados pessoais. Contudo, quando se trata de investigações criminais, execução penal, antecedentes e informações classificadas como extremamente sensíveis, torna-se evidente que a legislação atual não responde integralmente às demandas específicas da área penal. É neste ponto que ganha força o debate sobre a criação de uma Lei Geral de Proteção de Dados Penal (LGPD-Penal).
A revolução da IA no Direito
A Inteligência Artificial já deixou de ser apenas uma tendência para se consolidar como ferramenta diária no Judiciário, na advocacia e nas instituições de segurança pública.
Atualmente, a IA é capaz de:
a. analisar milhares de decisões para identificar padrões repetitivos;
b. sugerir teses jurídicas com base em bancos de dados massivos;
c. cruzar informações complexas em investigações;
d. construir modelos preditivos sobre riscos, comportamentos e reincidência.
No sistema penal, esses recursos representam um avanço considerável em eficiência. Porém, também trazem um alerta: o uso de dados sensíveis por algoritmos sem regulamentação adequada pode gerar discriminação, violações à privacidade e decisões automatizadas sem controle humano transparente.
Por que a LGPD não é suficiente para a área criminal?
Embora seja uma legislação robusta, a LGPD não regula de forma específica o tratamento de dados realizados para fins de segurança pública, atividade de investigação e persecução penal.
Esse “espaço livre” abre portas para:
a) coleta excessiva de dados por órgãos policiais;
b) uso de algoritmos de predição sem auditoria;
c) ausência de limites para compartilhamento de informações penais;
d) decisões automatizadas sobre investigados ou condenados sem transparência.
Diferentemente de outros ramos do Direito, aqui estamos lidando com dados ultrassensíveis, capazes de impactar diretamente a liberdade e a dignidade da pessoa humana. Por isso, o Brasil precisa avançar para além da LGPD tradicional.
A urgência de uma LGPD Penal
Uma Lei Geral de Proteção de Dados Penal terá a função de criar regras específicas, transparentes e rígidas para o tratamento de dados penais por instituições como polícia, Ministério Público, Judiciário, sistema prisional e outros órgãos vinculados à segurança pública.
Entre os pilares essenciais dessa legislação estão:
1. Auditoria e transparência dos algoritmos
Sistemas usados pelo Estado devem ser rastreáveis, auditáveis e explicáveis. Não é admissível que decisões que possam restringir liberdade de se apoiar em algoritmos opacos.
2. Limites rigorosos para coleta, tratamento e guarda de dados penais
Informações criminais precisam seguir padrões máximos de proteção, com ciclos claros de coleta, armazenamento, compartilhamento e descarte.
3. Combate a vieses e discriminação algorítmica
Modelos de IA precisam passar por testes de imparcialidade para evitar reprodução de desigualdades sociais, raciais ou econômicas.
4. Defesa dos direitos do investigado e do condenado
A lei deve assegurar:
a. revisão humana em decisões automatizadas;
b. acesso às informações usadas contra o indivíduo;
c. mecanismos de correção de dados incorretos;
d. limites para uso de predições como fundamento de medidas cautelares ou penas.
5. Criação de órgãos fiscalizadores ou ampliação das competências da ANPD
A atividade de tratamento de dados penais exige supervisão rigorosa, com responsabilização das autoridades que descumprirem normas de proteção. IA, predição e Direito Penal: avanços com fundamento constitucional. Ferramentas preditivas vêm ganhando espaço no mundo inteiro, mas seu uso exige cautela. O sistema penal não pode se transformar em um espaço onde probabilidades substituam provas concretas.
A tecnologia deve servir ao devido processo legal, nunca o contrário. Por isso, a regulamentação é indispensável para assegurar equilíbrio entre inovação e proteção de direitos fundamentais. A ausência de regras claras coloca em risco garantias constitucionais e pode criar um ambiente de insegurança jurídica.
O futuro é tecnológico e precisa ser humano e ético. A incorporação da Inteligência Artificial ao Direito é um caminho sem volta. No entanto, o avanço tecnológico precisa ser acompanhado de responsabilidade, controle e segurança jurídica. A criação de uma Lei Geral de Proteção de Dados Penal é um passo indispensável para modernizar o sistema penal brasileiro, proteger direitos humanos e garantir que a inovação caminhe alinhada com a Constituição. O futuro do Direito será orientado por dados, mas cabe a nós garantir que também seja orientado pela ética, justiça e dignidade humana.